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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Lembranças de um pequeno palestrino

Pedro tem onze anos de idade. Onze anos de muita energia e disposição. Filho de pais italianos (que lhe deram o nome em homenagem ao primeiro Papa), ele não poderia torcer por outro time que não fosse o Palmeiras. As primeiras palavras que ele aprendeu a falar foram, além dos óbvios papai e mamãe, verdão, porco e São Marcos. Desde muito pequeno Pedro já vibrava com as defesas, algumas tidas como milagrosas, do goleiro do seu time.

Incentivado por seu pai, Pedro tinha um sonho. Assistir a um jogo do Palmeiras no Palestra Itália, a casa alviverde. Cantar os belos hinos que a torcida cantava, gritar o nome de cada jogador do time e vibrar, vibrar muito com os gols de uma provável goleada contra um adversário qualquer. Era o sonho perfeito de uma tarde perfeita.

Um dia após o aniversário de Pedro, Giacomo, o seu pai, resolveu que o grande dia havia chegado. Laura, a mãe, não gostou nenhum um pouquinho da idéia, fazendo aflorar os mais preocupados sentimentos maternos. Por fim, depois de um intenso debate, prevaleceu a vontade dos homens da família. E o presente de Pedro estava garantido.

Já passavam das duas horas da tarde quando os dois, pai e filho, saíram de casa. Não distante três quadras do estádio. “Vamos a pé para já vivenciar a festa da torcida Pedrinho”, disse o pai, num misto de alegria, orgulho e emoção. Pedro nem tinha palavras. Não precisava delas. O brilho do seu olho e seu sorriso já dizia tudo.

Na avenida que passa em frente ao Palestra, Giacomo percebe uma estranha movimentação. Seria uma comemoração? Improvável, já que o jogo não havia começado. Era um tumulto de torcedores, sem ingressos, que enfrentavam a policia, para entrar no campo sem ter direito a tal. Pedro foi abraçado fortemente pelo pai, se sentindo protegido.

Saindo dessa confusão os dois chegaram às bilheterias. Para garantir o conforto dos dois, Giacomo resolvera comprar ingressos das cadeiras especiais, reservadas. Mais caras, mas infinitamente mais agradáveis que as arquibancadas comuns. Quando lá chegaram, notaram que a cadeira deles estava ocupada por outro torcedor. Mas como? Elas não são reservadas? Procurou um segurança do clube que, com grosseria, disse que ele deveria ter saído mais cedo de casa. Quanta indelicadeza... Para não gerar atritos, Giacomo sentou-se em outro lugar.

Quando o jogo começou a dupla se esqueceu dos infortúnios passados. Pedro, principalmente, se deliciava com cada lance, cada chute, carrinho do zagueiro ou até mesmo arremesso lateral. Nada passava pelo seu olhar atento, apaixonado e apaixonante. “Pai, o Marcos é o melhor goleiro do mundo”, dizia ele constantemente, mesmo sem o goleiro ter sequer feito uma grande defesa. No fim, vitória do Palmeiras, por 2 a 0, finalizando uma tarde maravilhosa, um presente de aniversário inesquecível. Pelo menos era o que pensava Pedro.

Quando deixava o portão, pela saída principal, Giacomo viu dois torcedores discutindo. Não eram rivais, ambos usavam camisas verdes. Em poucos segundos, o que era apenas um dialogo mais exaltado se tornou em uma briga generalizada. Pior, como os torcedores que estavam dentro queriam sair, enquanto os de fora tentavam retornar para o interior do estádio, o pai se viu encurralando, segurando um assustado Pedro pelos braços.

Em um momento de inquietação Giacomo avistou alguns policiais que se aproximavam do tumulto. “Quem bom”, pensou ele. “A ordem será restabelecida”. Puro engano. Para tentar dissipar os brigões, a Policia distribuiu cacetadas aleatoriamente, se utilizando também de bombas de gás para apressar a dispersão. Apanharam jovens e velhos, homens e mulheres, encrenqueiros e apenas torcedores. Pedro escapou. Giacomo não. Foram duas pancadas nas costas, além de um soco, desproposital, de um homem desesperado que tentava se safar.

Como saldo dessa batalha, dezenas de pessoas ficaram feridas. Poucos torcedores foram presos. Giacomo e Pedro conseguiram chegar em casa apenas três horas após o término da partida. Lá, encontraram uma esposa e mãe preocupada e brava, como uma legitima italiana. A raiva gerou um discurso inflamado, lembrando da recomendação dada para que o passeio não acontecesse. A preocupação fez com que ela cuidasse do filho, chorando desesperadamente, e do marido, cheio de feridas.


No entanto, em Pedro, ficaram feridas que nenhum carinho de mãe cura. Ferimentos que desmancharam o sonho de um menino, que, no seu aniversário, sonhava em ver o seu time jogar e vencer, mas não imaginava que essa vitória iria provocar tantas dores. O Palmeiras ganhou um jogo, apenas mais um jogo. Mas perdeu o mais importante. O privilégio de povoar o mundo encantado de uma criança.

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