Pedro tem onze
anos de idade. Onze anos de muita energia e disposição. Filho de pais italianos
(que lhe deram o nome em homenagem ao primeiro Papa), ele não poderia torcer
por outro time que não fosse o Palmeiras. As primeiras palavras que ele
aprendeu a falar foram, além dos óbvios papai e mamãe, verdão, porco e São
Marcos. Desde muito pequeno Pedro já vibrava com as defesas, algumas tidas como
milagrosas, do goleiro do seu time.
Incentivado por seu pai, Pedro
tinha um sonho. Assistir a um jogo do Palmeiras no Palestra Itália, a casa
alviverde. Cantar os belos hinos que a torcida cantava, gritar o nome de cada
jogador do time e vibrar, vibrar muito com os gols de uma provável goleada
contra um adversário qualquer. Era o sonho perfeito de uma tarde perfeita.
Um dia após o aniversário de
Pedro, Giacomo, o seu pai, resolveu que o grande dia havia chegado. Laura, a
mãe, não gostou nenhum um pouquinho da idéia, fazendo aflorar os mais preocupados
sentimentos maternos. Por fim, depois de um intenso debate, prevaleceu a
vontade dos homens da família. E o presente de Pedro estava garantido.
Já passavam das duas horas da
tarde quando os dois, pai e filho, saíram de casa. Não distante três quadras do
estádio. “Vamos a pé para já vivenciar a festa da torcida Pedrinho”, disse o
pai, num misto de alegria, orgulho e emoção. Pedro nem tinha palavras. Não
precisava delas. O brilho do seu olho e seu sorriso já dizia tudo.
Na avenida que passa em frente ao
Palestra, Giacomo percebe uma estranha movimentação. Seria uma comemoração?
Improvável, já que o jogo não havia começado. Era um tumulto de torcedores, sem
ingressos, que enfrentavam a policia, para entrar no campo sem ter direito a
tal. Pedro foi abraçado fortemente pelo pai, se sentindo protegido.
Saindo dessa confusão os dois
chegaram às bilheterias. Para garantir o conforto dos dois, Giacomo resolvera
comprar ingressos das cadeiras especiais, reservadas. Mais caras, mas
infinitamente mais agradáveis que as arquibancadas comuns. Quando lá chegaram,
notaram que a cadeira deles estava ocupada por outro torcedor. Mas como? Elas
não são reservadas? Procurou um segurança do clube que, com grosseria, disse
que ele deveria ter saído mais cedo de casa. Quanta indelicadeza... Para não
gerar atritos, Giacomo sentou-se em outro lugar.
Quando o jogo começou a dupla se
esqueceu dos infortúnios passados. Pedro, principalmente, se deliciava com cada
lance, cada chute, carrinho do zagueiro ou até mesmo arremesso lateral. Nada
passava pelo seu olhar atento, apaixonado e apaixonante. “Pai, o Marcos é o
melhor goleiro do mundo”, dizia ele constantemente, mesmo sem o goleiro ter
sequer feito uma grande defesa. No fim, vitória do Palmeiras, por 2 a 0, finalizando uma tarde
maravilhosa, um presente de aniversário inesquecível. Pelo menos era o que
pensava Pedro.
Quando deixava o portão, pela
saída principal, Giacomo viu dois torcedores discutindo. Não eram rivais, ambos
usavam camisas verdes. Em poucos segundos, o que era apenas um dialogo mais
exaltado se tornou em uma briga generalizada. Pior, como os torcedores que
estavam dentro queriam sair, enquanto os de fora tentavam retornar para o
interior do estádio, o pai se viu encurralando, segurando um assustado Pedro
pelos braços.
Em um momento de inquietação
Giacomo avistou alguns policiais que se aproximavam do tumulto. “Quem bom”,
pensou ele. “A ordem será restabelecida”. Puro engano. Para tentar dissipar os
brigões, a Policia distribuiu cacetadas aleatoriamente, se utilizando também de
bombas de gás para apressar a dispersão. Apanharam jovens e velhos, homens e
mulheres, encrenqueiros e apenas torcedores. Pedro escapou. Giacomo não. Foram
duas pancadas nas costas, além de um soco, desproposital, de um homem
desesperado que tentava se safar.
Como saldo dessa batalha, dezenas
de pessoas ficaram feridas. Poucos torcedores foram presos. Giacomo e Pedro
conseguiram chegar em casa apenas três horas após o término da partida. Lá,
encontraram uma esposa e mãe preocupada e brava, como uma legitima italiana. A
raiva gerou um discurso inflamado, lembrando da recomendação dada para que o
passeio não acontecesse. A preocupação fez com que ela cuidasse do filho,
chorando desesperadamente, e do marido, cheio de feridas.
No entanto, em Pedro, ficaram
feridas que nenhum carinho de mãe cura. Ferimentos que desmancharam o sonho de
um menino, que, no seu aniversário, sonhava em ver o seu time jogar e vencer,
mas não imaginava que essa vitória iria provocar tantas dores. O Palmeiras
ganhou um jogo, apenas mais um jogo. Mas perdeu o mais importante. O privilégio
de povoar o mundo encantado de uma criança.
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